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Psicólogo diz que é prematuro afirmar que Daniel Coutinho é esquizofrênico

Carla Neves

Do UOL, no Rio

03/02/2014 16h05Atualizada em 03/02/2014 21h10

Daniel Coutinho, filho de Eduardo Coutinho apontado como responsável pela morte do cineasta, prestou depoimento a um psicólogo da polícia na tarde desta segunda-feira (3), no Hospital Miguel Couto, onde está internado. Daniel foi preso em flagrante pela morte do pai e vizinhos alertaram para um possível quadro de esquizofrenia, mas o inspetor psicólogo Gilvan Ferreira, responsável por coletar o depoimento de Daniel, acredita que é muito cedo para se falar em esquizofrenia ou uso de drogas.

“Primeiro de tudo vou ouvi-lo para saber quais são as raízes desse comportamento. Será uma avaliação rasa. Nós vamos até o hospital para ouvir os médicos e saber como é que está esse paciente. Vamos fazer uma entrevista”, contou Ferreira ao UOL, antes do depoimento, explicando que, em um primeiro momento, “é prematuro” afirmar se ele tem algum problema mental ou é usuário de drogas. “É uma avaliação demorada. Nesse primeiro momento, o importante é entender o que o levou a cometer esse crime”, acrescentou.

De acordo com a Polícia, após agredir os pais e tentar se matar, Daniel bateu na porta de um de seus vizinhos e disse: "Eu libertei meu pai, tentei libertar a minha mãe e a mim não estou conseguindo". “Esse homem entende que o ambiente dele é mais real do que o do outro. Ele indica o outro como o preso e ele não entende por que tantas reclamações, tantas responsabilidades, e aí ele liberta o outro. É muito difícil falar tecnicamente disso com poucas palavras”, afirmou o psicólogo, explicando o que significa essa menção a liberdade.

Questionado se a família de Daniel poderia saber ou desconfiar que ele tem alguma doença mental apenas por sinais simples, Ferreira disse que, geralmente, as famílias percebem o problema, mas não querem ver. “A família muitas vezes mascara o problema por vergonha, para não expor a família, isso é muito comum”, contou, explicando que a doença mental deve ser diagnosticada por especialistas.

Ferreira explicou que, para fazer qualquer diagnóstico sobre uma possível doença mental de Daniel, é preciso saber se existe algum histórico médico. “Tem que saber se algum psicólogo ou psiquiatra fez a avaliação dele, então ainda é muito cedo para respondermos qualquer coisa. Mas geralmente as pessoas dão sinais. Só que às vezes por amor, por confiança e por acreditar que o outro vai melhorar, as pessoas acabam inconscientemente, como um mecanismo de defesa, deixando essa primeira percepção de lado, e acreditam que é tudo normal, que tudo vai passar, que as coisas vão melhorar. E acaba tendo esse desfecho muitas vezes inevitável”, afirmou.

O psicólogo contou que, depois de ter alta do hospital, Daniel será encaminhado para uma unidade penitenciária. “Depois que ele for liberado pelos médicos, ele virá para o nosso sistema para que seja preso. Ao ser preso, ele fará uma segunda avaliação médica. Desta vez será mais cuidadosa e prolongada, em razão do tempo que os profissionais terão. Por isso digo que é prematuro afirmar que ele é esquizofrênico. Num primeiro momento, o mergulho que vamos dar no ambiente psíquico desse indivíduo é muito raso. De forma alguma pode-se fazer uma análise de que ele é esquizofrênico. Às vezes esse diagnóstico chega com anos”, analisou.

O UOL entrou em contato com Ferreira por volta das 21h, após ele ter entrevistado Daniel, mas o psicólogo afirmou que novas informações sobre o caso só seriam dadas em entrevista coletiva marcada para esta terça (4).

Entenda o caso
Eduardo Coutinho, 80, morreu em seu apartamento, na Lagoa, zona sul do Rio, na manhã de domingo (2). Daniel Coutinho, filho do cineasta, é apontado como responsável pelo crime. Segundo vizinhos, Daniel é esquizofrênico. Ele foi internado no Hospital Miguel Couto com duas facadas em seu próprio abdome. A mulher de Coutinho, Maria Oliveira Coutinho, também foi ferida e está internada no mesmo hospital.

O diretor da Divisão de Homicídio do Estado do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa de Araújo Júnior, disse que "Não há dúvidas de que Daniel é o culpado". "É a expressão genuína da palavra tragédia."

Daniel, de 41 anos, morava com os pais e foi preso em flagrante delito. Ele será indiciado por homicídio doloso, mas um juiz decidirá quais medidas serão tomadas judicialmente, já que existe a suspeita de um quadro de esquizofrenia.

Segundo o delegado, o crime aconteceu por volta das 11h de domingo. O corpo de Coutinho foi encontrado na porta de um dos quartos do apartamento. A esposa do cineasta, que também foi ferida, teria tentado se esconder no banheiro e ligar para outro filho para pedir ajuda. Após cometer os crimes, Daniel também tentou se matar. 

O delegado disse que Daniel usou duas facas de cozinha nos ataques e, logo após agredir os pais, bateu na porta de um de seus vizinhos e disse: "Eu libertei meu pai, tentei libertar a minha mãe e tentei me libertar". Os bombeiros foram chamados pelo porteiro do prédio e Daniel não demonstrou resistência com a chegada deles, abrindo a porta do apartamento.

Coutinho recebeu as últimas homenagens de amigos e admiradores no cemitério São João Batista, no Rio, antes de ser enterrado no mesmo local. Passaram pelo velório do documentarista personalidades da cultura como o produtor Luiz Carlos Barreto, o documentarista e jornalisra João Moreira Salles, o ator Lázaro Ramos, a cantora Adriana Calcanhoto, o ator Paulo José, a atriz Camila Morgado, o diretor de fotografia Walter Carvalho e o poeta Ferreira Gullar, além de personagens retratados em seus documentários "Edifício Master" e "Babilônia 2000".

Trajetória

Nascido em 11 de maio de 1933, em São Paulo, Eduardo Coutinho abandonou o curso de direito por uma carreira no entretenimento. Depois de estudar direção e montagem na França e voltar ao Brasil em 1960, Coutinho entrou em contato com o Cinema Novo e o Centro Popular de Cultura (CPC), da UNE.

No CPC, o cineasta começou a trabalhar no que seria considerado seu projeto mais importante: uma ficção baseada no assassinato do líder das Ligas Camponesas, João Pedro Teixeira, com elenco formado pelos próprios camponeses do Engenho Cananeia, no interior de Pernambuco. A produção de “Cabra Marcado para Morrer” teve que ser interrompida depois de duas semanas de filmagens, quando ocorreu o Golpe Militar de 1964 e parte da equipe foi presa sob acusações de comunismo.

O filme só seria completado em 1984, depois de Coutinho reencontrar negativos que haviam sido escondidos por um membro da equipe, e resolveu retomar o projeto como um documentário sobre o filme que não foi realizado e sobre os personagens reais que seriam os atores do primeiro projeto.

Entre 1966 e 1975, atuou principalmente como roteirista de produções como “A Falecida” (1965), “Garota de Ipanema” (1967) e “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976). Em 1975, Coutinho passou a integrar a equipe do “Globo Repórter”, onde permaneceu até 1984.

Depois de “Cabra”, Coutinho se firmou como o principal documentarista do país, com filmes que privilegiavam pessoas comuns e as histórias que elas têm para contar, como “Santo Forte” (1999), “Edifício Master” (2002), “Peões” (2004) e “Jogo de Cena” (2007). Seu último longa foi “As Canções”, de 2011.

Em 2013, ao completar 80 anos, Coutinho ganhou homenagem na Festa Literária Internacional de Parati e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que organizou uma retrospectiva completa de seus filmes e um livro reunindo textos de e sobre o cineasta.

Na ocasião, Coutinho afirmou ao UOL que o público foge de documentários. "Isso é trágico. Tem uma diferença entre ficção e documentário, e é apenas para a Ancine [Agência Nacional do Cinema]. Documentário é uma palavra maldita. Se o público cheirar documentário, ele foge. Só não foge quem não pode", afirmou.