Moradora do Edifício Master se despede de Eduardo Coutinho em velório
Uma das primeiras pessoas a chegar ao velório do cineasta Eduardo Coutinho, no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, foi Vera Lucia Maciel Savelle, 62 anos, moradora do Edifício Master, prédio que foi tema de um dos documentários mais importantes de Coutinho, em 2002. A cerimônia foi aberta às 10h desta segunda-feira (3) e o enterro está marcado para acontecer às 16h no mesmo local.
Vera lembrou com carinho do período de filmagens. "Foi uma amizade boa. O contato com ele foi excelente, tenho uma boa lembrança. [A morte dele] Foi algo que ninguém esperava. Eu vim representando a todos nós", comentou. "Deixa uma saudade muito grande. Ele seguiu com cada um os problemas mais fundos", disse ela.
A irmã mais nova do cineasta, Heloisa de Oliveira Coutinho, 78, disse que o cineasta "sempre levou uma vida discreta". "Eu encontrava com ele quando ia a São Paulo. São coisas que a gente não entende", lamentou ela, que recebeu a notícia através de Pedro, outro filho de Eduardo. "O Pedro me ligou por volta das 13h dizendo que achava que ele não iria sobreviver. Mais tarde, me ligaram dizendo que ele tinha falecido", disse.
"Foi uma tragédia mesmo. No ano passado ele foi homenageado pelos 80 anos, raro para quem fazia documentários", disse Heloisa. "Ele tinha uma maneira muito original de ser, era um ótimo pai, tinha o maior orgulho dos meninos".
Diretora da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, Irene Ferraz, que também compareceu ao velório, disse que a história de Coutinho se confunde com a do cinema. "Ele pensou o Brasil com coerência, foi um pensador da antropologia social e fez uma reflexão profunda. Ele ousou falar dos contrastes", definiu. "Era uma pessoa simples. Singular".
O ator Paulo Ascenção, que diz ser amigo de Coutinho há 20 anos, disse que o legado do cineasta merece ser lembrado. "Ele era dinâmico, ativo, enérgico e falava com todo mundo. A generosidade é uma palavra marcante. Era muito reservado especialmente do ponto de vista privado", comentou.
Assista ao depoimento de Vera em "Edifício Master":
Tragédia
Coutinho foi morto a facadas no domingo (2) em seu apartamento na capital fluminense. Segundo o diretor da Divisão de Homicídio do Estado do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa de Araújo Júnior, Daniel, filho do diretor, é o autor do crime. "Não há dúvidas de que Daniel é o culpado", disse o delegado em entrevista coletiva. "É a expressão genuína da palavra tragédia."
Daniel, de 41 anos, morava com os pais e foi preso em flagrante delito pela morte de Eduardo Coutinho, 80, e pela tentativa de matar a mãe, Maria Oliveira Coutinho, que está internada em estado grave. Ele será indiciado por homicídio doloso, mas, por possuir quadro de esquizofrenia, um juiz decidirá quais medidas serão tomadas judicialmente.
Segundo o delegado, o crime aconteceu por volta das 11h de domingo. O corpo de Coutinho foi encontrado na porta de um dos quartos do apartamento. A esposa do cineasta, que também foi ferida, teria tentado se esconder no banheiro e ligar para outro filho para pedir ajuda. Após cometer os crimes, Daniel também tentou se matar, conclui o delegado.
O diretor da Divisão de Homicídio disse que Daniel usou duas facas de cozinha nos ataques e, logo após agredir os pais, bateu na porta de um de seus vizinhos e disse: "Eu libertei meu pai, tentei libertar a minha mãe e tentei me libertar". Os bombeiros foram chamados pelo porteiro do prédio e Daniel não demonstrou resistência com a chegada deles, abrindo a porta do apartamento, ainda segundo os policiais.
O filho de Coutinho, que está sob custódia da polícia, passou por uma cirurgia e ainda prestará depoimento. Maria Oliveira Coutinho segue internada em estado grave e, em caso de melhora, deve também falar com os policiais. Ela levou cinco facadas ao todo: duas nos seios e três no abdômen, e uma delas perfurou o fígado. A quantidade de perfurações no corpo de Coutinho ainda deve ser revelada pela perícia.
Foram ouvidas quatro testemunhas até o momento e outros moradores do prédio deverão prestar depoimento ainda nesta semana.
Trajetória
Nascido em 11 de maio de 1933, em São Paulo, Eduardo Coutinho abandonou o curso de direito por uma carreira no entretenimento. Depois de estudar direção e montagem na França e voltar ao Brasil em 1960, Coutinho entrou em contato com o Cinema Novo e o Centro Popular de Cultura (CPC), da UNE.
No CPC, o cineasta começou a trabalhar no que seria considerado seu projeto mais importante: uma ficção baseada no assassinato do líder das Ligas Camponesas, João Pedro Teixeira, com elenco formado pelos próprios camponeses do Engenho Cananeia, no interior de Pernambuco. A produção de “Cabra Marcado para Morrer” teve que ser interrompida depois de duas semanas de filmagens, quando ocorreu o Golpe Militar de 1964 e parte da equipe foi presa sob acusações de comunismo.
O filme só seria completado em 1984, depois de Coutinho reencontrar negativos que haviam sido escondidos por um membro da equipe, e resolveu retomar o projeto como um documentário sobre o filme que não foi realizado e sobre os personagens reais que seriam os atores do primeiro projeto.
Entre 1966 e 1975, atuou principalmente como roteirista de produções como “A Falecida” (1965), “Garota de Ipanema” (1967) e “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976). Em 1975, Coutinho passou a integrar a equipe do “Globo Repórter”, onde permaneceu até 1984.
Depois de “Cabra”, Coutinho se firmou como o principal documentarista do país, com filmes que privilegiavam pessoas comuns e as histórias que elas têm para contar, como “Santo Forte” (1999), “Edifício Master” (2002), “Peões” (2004) e “Jogo de Cena” (2007). Seu último longa foi “As Canções”, de 2011.
Em 2013, ao completar 80 anos, Coutinho ganhou homenagem na Festa Literária Internacional de Parati e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que organizou uma retrospectiva completa de seus filmes e um livro reunindo textos de e sobre o cineasta.
Na ocasião, Coutinho afirmou ao UOL que o público foge de documentários. "Isso é trágico. Tem uma diferença entre ficção e documentário, e é apenas para a Ancine [Agência Nacional do Cinema]. Documentário é uma palavra maldita. Se o público cheirar documentário, ele foge. Só não foge quem não pode", afirmou.
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