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Luiz Carlos Barreto pede "compaixão" por filho de Eduardo Coutinho

Fabíola Ortiz

Do UOL, no Rio

03/02/2014 14h11Atualizada em 03/02/2014 18h35

O produtor Luiz Carlos Barreto disse que Daniel Coutinho, filho de Eduardo Coutinho e apontado como responsável pela morte do diretor, merece compaixão. "Devemos ter compaixão, porque ele terá uma vida difícil. Espero que ele sobreviva. Acho que Coutinho teria esse desejo de ver esse filho amado curado", afirmou o produtor durante o velório do cineasta, no Cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro. A cerimônia foi aberta às 10h desta segunda-feira (3) e o enterro está marcado para acontecer às 16h no mesmo local.

Daniel teve sua prisão preventiva decretada no início da tarde desta segunda-feira (3) pela Justiça do Rio. A informação foi confirmada pelo diretor da Divisão de Homicídio do Estado do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa de Araújo Júnior. "Diante de tudo que apuramos e tudo que chegou ao inquérito policial, Daniel é o autor dessa tragédia familiar", afirmou.

Coutinho, na opinião de Barreto, figura entre os grandes diretores documentaristas do mundo. "Ele conseguiu dar ao documentário a importância social e abordando com inteligência. Revolucionou a linguagem do documentário introduzindo, inclusive, a dramaturgia". João Moreira Salles e o ator Lázaro Ramos também estiveram no velório e não quiseram falar com a imprensa.

Barreto relembrou ainda a sua atuação militante como um "companheiro nas lutas dos anos 60 contra a ditadura militar". "Sua obra não morrerá", disse Barreto, que se arrepende de não ter realizado nenhuma produção cinematográfica para o amigo. "Ele parte de uma maneira trágica, nenhum de nós imaginávamos. Ele não merecia ter uma morte assim", lamentou, emocionado.

Barreto contou ainda que a última vez que esteve com o documentarista foi há cerca de seis meses no Jardim Botânico do Rio. Ele estava em um restaurante tomando seu café e fumando um cigarro. "Era o seu lugar preferido", salientou.

O vizinho que vive ao lado do apartamento de Coutinho, no sexto andar, também compareceu ao velório. "Fui envolvido na situação porque ele (Daniel) me pediu ajuda", relatou o morador sem se identificar. Ele conta que, por volta de 10h30, Daniel tocou a sua porta pedindo ajuda.

A cantora Adriana Calcanhoto também prestou suas homenagens ao cineasta. "Não tenho palavras, eu era fã. Conheci o Coutinho em cabines de cinema (exibição de filmes para jornalistas). Ele fazia cinema de um jeito só dele", disse.

"A família do cinema brasileiro esta destroçada. Coutinho era uma pessoa especial. Com ele, o cinema ganhou um patamar internacional", afirmou o ator Antonio Pitanga, que também esteve no cemitério.

"O melhor documentarista nosso era ele. Era um ser humano admirável, uma criatura especial. Foi uma coisa brutal o que aconteceu. Infelizmente chegou a um desfecho brutal", disse o poeta Ferreira Gullar. "Para o cinema brasileiro, é uma perda muito grande. O legado dele é de filmes feitos com seriedade, inteligência e sensibilidade. Ele era uma pessoa discreta e muito afetuosa", completou Gullar.

"A gente sabia que era um filho problemático, mas Coutinho nunca expôs isso", disse o diretor de fotografia Walter Carvalho ao comentar que pouco sabia da vida intima do documentarista. "Coutinho talvez fosse uma confluência entre a arte e a técnica. Ele conseguiu penetrar no mundo real e, ao mesmo tempo, com uma visão de vanguarda enquanto linguagem. Coutinho é uma espécie de Graciliano Ramos, não tem como definir. Depois de Coutinho, o resto é silencio", disse Carvalho parafraseando Hamlet.

Ele lembrou ainda que, na década de 80, percorreu cerca de 4 mil km por Goiás em um projeto com o cineasta. Esta foi a única produção que realizou com Coutinho.

Também já passaram pelo velório de Coutinho o ator Paulo José, a atriz Camila Morgado, o músico Jards Macalé e o jornalista Zuenir Ventura.

"Foi um choque, estou abalado", comentou o ator Wagner Moura que não conseguiu chegar a tempo do sepultamento. "Perdemos talvez o mais importante cineasta de todos os tempos. Era uma figura amável, um homem doce, querido".

Ele se lembrou dos momentos em que se encontrava com o documentarista em um bar no Jardim Botânico. "Ele ficava fumando cigarro e conversando com todo mundo. A gente esperava que ele fosse morrer por causa do cigarro". 

Moradora do Edifício Master

Uma das primeiras pessoas a chegar ao velório do cineasta foi Vera Lucia Maciel Savelle, 62 anos, moradora do Edifício Master, prédio que foi tema de um dos documentários mais importantes de Coutinho, em 2002. Vera lembrou com carinho do período de filmagens. "Foi uma amizade boa. O contato com ele foi excelente, tenho uma boa lembrança. [A morte dele] Foi algo que ninguém esperava. Eu vim representando a todos nós", comentou. "Deixa uma saudade muito grande. Ele seguiu com cada um os problemas mais fundos", disse ela.

A irmã mais nova do cineasta, Heloisa de Oliveira Coutinho, 78, disse que o cineasta "sempre levou uma vida discreta". "Eu encontrava com ele quando ia a São Paulo. São coisas que a gente não entende", lamentou ela, que recebeu a notícia através de Pedro, outro filho de Eduardo. "O Pedro me ligou por volta das 13h dizendo que achava que ele não iria sobreviver. Mais tarde, me ligaram dizendo que ele tinha falecido", disse.

"Foi uma tragédia mesmo. No ano passado ele foi homenageado pelos 80 anos, raro para quem fazia documentários", disse Heloisa. "Ele tinha uma maneira muito original de ser, era um ótimo pai, tinha o maior orgulho dos meninos".

Tragédia
Coutinho foi morto a facadas
no domingo (2) em seu apartamento na capital fluminense. Segundo o diretor da Divisão de Homicídio do Estado do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa de Araújo Júnior, Daniel, filho do diretor, é o autor do crime. "Não há dúvidas de que Daniel é o culpado", disse o delegado em entrevista coletiva. "É a expressão genuína da palavra tragédia."

Daniel, de 41 anos, morava com os pais e foi preso em flagrante delito pela morte de Eduardo Coutinho, 80, e pela tentativa de matar a mãe, Maria Oliveira Coutinho, que está internada em estado grave. Ele será indiciado por homicídio doloso, mas, por possuir quadro de esquizofrenia, um juiz decidirá quais medidas serão tomadas judicialmente.

Segundo o delegado, o crime aconteceu por volta das 11h de domingo. O corpo de Coutinho foi encontrado na porta de um dos quartos do apartamento. A esposa do cineasta, que também foi ferida, teria tentado se esconder no banheiro e ligar para outro filho para pedir ajuda. Após cometer os crimes, Daniel também tentou se matar, conclui o delegado. 

O diretor da Divisão de Homicídio disse que Daniel usou duas facas de cozinha nos ataques e, logo após agredir os pais, bateu na porta de um de seus vizinhos e disse: "Eu libertei meu pai, tentei libertar a minha mãe e tentei me libertar". Os bombeiros foram chamados pelo porteiro do prédio e Daniel não demonstrou resistência com a chegada deles, abrindo a porta do apartamento, ainda segundo os policiais.

O filho de Coutinho, que está sob custódia da polícia, passou por uma cirurgia e ainda prestará depoimento. Maria Oliveira Coutinho segue internada em estado grave e, em caso de melhora, deve também falar com os policiais. Ela levou cinco facadas ao todo: duas nos seios e três no abdômen, e uma delas perfurou o fígado. A quantidade de perfurações no corpo de Coutinho ainda deve ser revelada pela perícia.

Foram ouvidas quatro testemunhas até o momento e outros moradores do prédio deverão prestar depoimento ainda nesta semana. 

Trajetória

Nascido em 11 de maio de 1933, em São Paulo, Eduardo Coutinho abandonou o curso de direito por uma carreira no entretenimento. Depois de estudar direção e montagem na França e voltar ao Brasil em 1960, Coutinho entrou em contato com o Cinema Novo e o Centro Popular de Cultura (CPC), da UNE.

No CPC, o cineasta começou a trabalhar no que seria considerado seu projeto mais importante: uma ficção baseada no assassinato do líder das Ligas Camponesas, João Pedro Teixeira, com elenco formado pelos próprios camponeses do Engenho Cananeia, no interior de Pernambuco. A produção de “Cabra Marcado para Morrer” teve que ser interrompida depois de duas semanas de filmagens, quando ocorreu o Golpe Militar de 1964 e parte da equipe foi presa sob acusações de comunismo.

O filme só seria completado em 1984, depois de Coutinho reencontrar negativos que haviam sido escondidos por um membro da equipe, e resolveu retomar o projeto como um documentário sobre o filme que não foi realizado e sobre os personagens reais que seriam os atores do primeiro projeto.

Entre 1966 e 1975, atuou principalmente como roteirista de produções como “A Falecida” (1965), “Garota de Ipanema” (1967) e “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976). Em 1975, Coutinho passou a integrar a equipe do “Globo Repórter”, onde permaneceu até 1984.

Depois de “Cabra”, Coutinho se firmou como o principal documentarista do país, com filmes que privilegiavam pessoas comuns e as histórias que elas têm para contar, como “Santo Forte” (1999), “Edifício Master” (2002), “Peões” (2004) e “Jogo de Cena” (2007). Seu último longa foi “As Canções”, de 2011.

Em 2013, ao completar 80 anos, Coutinho ganhou homenagem na Festa Literária Internacional de Parati e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que organizou uma retrospectiva completa de seus filmes e um livro reunindo textos de e sobre o cineasta.

Na ocasião, Coutinho afirmou ao UOL que o público foge de documentários. "Isso é trágico. Tem uma diferença entre ficção e documentário, e é apenas para a Ancine [Agência Nacional do Cinema]. Documentário é uma palavra maldita. Se o público cheirar documentário, ele foge. Só não foge quem não pode", afirmou.