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Filho de Eduardo Coutinho será tratado pela polícia como criminoso comum

Cláudia Dias

Do UOL, no Rio

04/02/2014 13h07Atualizada em 04/02/2014 17h13

Daniel Coutinho, filho de Eduardo Coutinho e apontado como responsável pela morte do cineasta, será tratado pela polícia como um criminoso comum, esclareceu o diretor da Divisão de Homicídio do Estado do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa de Araújo Júnior. Acompanhado do inspetor psicólogo Gilvan Ferreira, Rivaldo disse nesta terça (4) que o depoimento dado por Daniel foi esclarecedor e que ele demonstrou arrependimento. 

Segundo Rivaldo, o depoimento durou cerca de duas horas e Daniel estava lúcido e estável. Questionado sobre a evidência de que Daniel teria praticado o crime devido a um surto de esquizofrenia, o delegado disse que a perícia judiciária é que poderá confirmar. "É bom que se esclareça que não existe estudo que faça relação entre a doença mental e a prática de crime. O crime é um problema da sociedade como um todo. Qualquer coisa além disso é mero preconceito".

A polícia vai esperar que Daniel tenha alta do hospital onde está internado para que seja encaminhado a um presídio. Ainda não há previsão de quando isso vai acontecer. Na prisão, o filho do cineasta deverá aguardar os processos judiciais --cabe à Justiça decidir se será considerado quadro de esquizofrenia e se haverá pena diferenciada. Segundo a polícia, não há comprovação de que Daniel use medicamentos controlados ou que tenha alguma doença já diagnosticada.

Para o delegado, Daniel queria se matar por ter muito medo da violência, mas não queria deixar os pais desamparados e, por isso, antes de tirar a própria vida, ele teve a ideia de matar os pais a facadas. De acordo com a versão da Polícia, Daniel, usando uma faca, tentou matar a mãe, que conseguiu se esconder, matou o pai e então tentou se matar. A mulher de Coutinho, Maria Oliveira Coutinho, continua internada no Rio de Janeiro. 

Em entrevista ao UOL na segunda-feira (3), Gilvan Ferreira disse que, para fazer qualquer diagnóstico sobre uma possível doença mental de Daniel, é preciso saber se existe algum histórico médico. "Depois que ele for liberado pelos médicos, ele virá para o nosso sistema para que seja preso. Ao ser preso, ele fará uma segunda avaliação médica. Desta vez será mais cuidadosa e prolongada, em razão do tempo que os profissionais terão. É prematuro afirmar que ele é esquizofrênico. Num primeiro momento, o mergulho que vamos dar no ambiente psíquico desse indivíduo é muito raso. De forma alguma pode-se fazer uma análise de que ele é esquizofrênico. Às vezes esse diagnóstico chega com anos", avaliou.

Entenda o caso
Eduardo Coutinho, 80, morreu em seu apartamento, na Lagoa, zona sul do Rio, na manhã de domingo (2). Daniel Coutinho, filho do cineasta, é apontado como responsável pelo crime. Ele foi internado no Hospital Miguel Couto com duas facadas em seu próprio abdome. A mulher de Coutinho, Maria Oliveira Coutinho, também foi ferida e está internada.

Daniel, de 41 anos, morava com os pais e foi preso em flagrante delito. Ele será indiciado por homicídio doloso, mas um juiz decidirá quais medidas serão tomadas judicialmente, já que existe a suspeita de um quadro de esquizofrenia.

Segundo o delegado, o crime aconteceu por volta das 11h de domingo. O corpo de Coutinho foi encontrado na porta de um dos quartos do apartamento. A esposa do cineasta, que também foi ferida, teria tentado se esconder no banheiro e ligar para outro filho para pedir ajuda. Após cometer os crimes, Daniel também tentou se matar. 

O delegado disse que Daniel usou duas facas de cozinha nos ataques e, logo após agredir os pais, bateu na porta de um de seus vizinhos e disse: "Eu libertei meu pai, tentei libertar a minha mãe e tentei me libertar". Os bombeiros foram chamados pelo porteiro do prédio e, quando chegaram, Daniel abriu a porta do apartamento, sem demonstrar resistência à entrada deles.

Coutinho recebeu as últimas homenagens de amigos e admiradores no cemitério São João Batista, no Rio, antes de ser enterrado no mesmo local. Passaram pelo velório do documentarista personalidades da cultura como o produtor Luiz Carlos Barreto, o documentarista e jornalista João Moreira Salles, o ator Lázaro Ramos, a cantora Adriana Calcanhoto, o ator Paulo José, a atriz Camila Morgado, o diretor de fotografia Walter Carvalho e o poeta Ferreira Gullar, além de personagens retratados em seus documentários "Edifício Master" e "Babilônia 2000".

Trajetória

Nascido em 11 de maio de 1933, em São Paulo, Eduardo Coutinho abandonou o curso de direito por uma carreira no entretenimento. Depois de estudar direção e montagem na França e voltar ao Brasil em 1960, Coutinho entrou em contato com o Cinema Novo e o Centro Popular de Cultura (CPC), da UNE.

No CPC, o cineasta começou a trabalhar no que seria considerado seu projeto mais importante: uma ficção baseada no assassinato do líder das Ligas Camponesas, João Pedro Teixeira, com elenco formado pelos próprios camponeses do Engenho Cananeia, no interior de Pernambuco. A produção de “Cabra Marcado para Morrer” teve que ser interrompida depois de duas semanas de filmagens, quando ocorreu o Golpe Militar de 1964 e parte da equipe foi presa sob acusações de ser comunista.

O filme só seria completado em 1984, depois de Coutinho reencontrar negativos que haviam sido escondidos por um membro da equipe, e resolveu retomar o projeto como um documentário sobre o filme que não foi realizado e sobre os personagens reais que seriam os atores do primeiro projeto.

Entre 1966 e 1975, atuou principalmente como roteirista de produções como “A Falecida” (1965), “Garota de Ipanema” (1967) e “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976). Em 1975, Coutinho passou a integrar a equipe do “Globo Repórter”, na qual permaneceu até 1984.

Depois de “Cabra”, Coutinho se firmou como o principal documentarista do país, com filmes que privilegiavam pessoas comuns e as histórias que elas têm para contar, como “Santo Forte” (1999), “Edifício Master” (2002), “Peões” (2004) e “Jogo de Cena” (2007). Seu último longa foi “As Canções”, de 2011.

Em 2013, ao completar 80 anos, Coutinho recebeu homenagens na Festa Literária Internacional de Parati e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, cujos organizadores fizeram uma retrospectiva completa de seus filmes e reuniram em livro textos do cineasta e sobre ele.

Na ocasião, Coutinho afirmou ao UOL que o público foge de documentários. "Isso é trágico. Tem uma diferença entre ficção e documentário, e é apenas para a Ancine [Agência Nacional do Cinema]. Documentário é uma palavra maldita. Se o público cheirar documentário, ele foge. Só não foge quem não pode", afirmou.