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Com homenagem na Mostra, Coutinho diz que público foge de documentário

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

28/10/2013 13h45

Aos 80 anos, Eduardo Coutinho é uma verdadeira estrela na Mostra de São Paulo. Nas telas, seu trabalho no cinema ganha uma respeitada retrospectiva --desde curtas aos longas ficcionais mais raros, como "O Homem que Comprou o Mundo" (1968) e "Faustão" (1970), e das reportagens para o "Globo Repórter" aos documentários clássicos, como "Edifício Master" (2002) e "Jogo de Cena" (2007). As críticas de cinema, escritas para o "Jornal do Brasil" entre 1973 e 1974, também foram organizadas pela Cosac Naify, junto com ensaios sobre seus filmes e entrevistas, e integram o livro que leva seu nome.

A oportunidade de dar um mergulho em uma filmografia rica e incomum é sedutora para qualquer cinéfilo, menos para Coutinho. "Eu nunca revejo meus filmes. Acho obsceno, me sinto mal", disse o diretor ao UOL. "Quando apresento um filme, vejo se o som está bom e vou embora. Às vezes, eu vou a sessões e fico atrás da cortina, vendo a reação das pessoas. Quando há pessoas..."

Coutinho conversou com o UOL pouco antes de participar do lançamento do livro no Cinesesc, na sexta-feira (25), e apresentar "Cabra Marcado Para Morrer", obra mítica de 1984 que documenta e resgata personagens de um filme seu paralisado pela censura em 1964.

O cabelo espesso, rebelde e profundamente branco, coroa uma cabeça que fervilha de ideias. Fumando um cigarro atrás do outro, Coutinho não vê diferenciação entre gêneros e afirma que a palavra "documentário" carrega em si uma espécie de maldição. "Isso é trágico. Tem uma diferença entre ficção e documentário, e é apenas para a Ancine [Agência Nacional do Cinema]. Documentário é uma palavra maldita. Se o público cheirar documentário, ele foge. Só não foge quem não pode. Os pinguins são tão maravilhosos filmados", faz graça com o documentário no estilo National Geographic, "A Marcha dos Pinguins" (2005), do francês Luc Jacquet.

Coutinho gosta de filmar pessoas. As ações em seus filmes não estão no registro diário de um personagem. Com exceção de "Cabra", a filmografia de Coutinho é da fala --o relato de uma pessoa qualquer de um edifício em Copacabana ("Edifício Master"), de uma favela carioca ("Babilônia 2000", "Santa Marta"), do sertão da Paraíba ("O Fim e o Princípio"), de metalúrgicos do ABC ("Peões"). "Quando comecei a conversar com uma pessoa por três minutos e filmei essa sequência, falei: 'É isso o que eu quero fazer'".

"Eu pago um preço. Dizem que nada acontece nos meus filmes, mas as pessoas falam. E falar é uma forma de fazer, é uma performance. É um ato do corpo. E isso me basta. A pessoa é lavadeira, eu não preciso mostrar ela lavando roupa. O filho morreu, eu não preciso ter o retrato do filho", indica. "O jeito dessas pessoas contarem suas histórias, umas chorando, outras fazendo um melodrama, para mim é tudo verdadeiro e ridículo, como Fernando Pessoa dizia das cartas [de amor]. Para mim, aquilo é vital, aquilo é bom, aquilo é bonito, expressando lugares comuns ou não. Nunca tento dizer o que o filme quer dizer. Então as pessoas saem [da sala] livres".

Os filmes e a reação da plateia
Com uma obra tão aberta, Coutinho parece também interessado nas reações da plateia. "As pessoas muitas vezes viam o filme e riam da maneira errada. Havia o riso bom, quando você ri com o outro, são risos solidários…", disse ele, ao interromper o pensamento para ir mais a fundo. "Quem assiste documentário no Brasil? É o público classe média, é um público diferenciado. Então tinha gente que ria e resumia: 'Olha, como o povo é sábio'. Porque tem uma mulher da favela que canta Janis Joplin em um inglês que ela inventou, é algo exótico para ela", falou citando "Babilônia 2000".

As reações mais díspares poderiam ser ouvidas na sessão de "Um Dia na Vida" (2010), espécie de estudo para um filme, onde o diretor gravou a programação da TV aberta por 24 horas e editou em 90 minutos, com momentos de telejornais, programas sensacionalistas, novelas e pregadores evangélicos. Eram risos do ridículo e eram risos nervosos. São imagens comuns, mas o resultado é impactante.

"Tem esse viés inevitável das pessoas morrerem de rir. É um filme que só pode passar gratuitamente, por causa dos direitos autorais, então tenho que ir a congressos. E congresso é aquela reação típica de esquerda. 'Temos que fechar a Globo', sabe? 'Precisamos de uma TV socialista'. O que é ainda pior", considerou.

Coutinho disse que queria investigar a programação da TV aberta e os espectadores. "O que eu queria fazer, mas é difícil pelo filme ser 'ilegal', é passar em favelas, onde o público que está vendo é o público que consome aquilo. Não há trabalho sério no Brasil para acompanhar e pesquisar o que as pessoas veem na TV", reclamou.

"Fiz uma exibição na favela do Alemão, mas o pessoal ficou intimidado e não quis falar. Esse público aí do Rio, mais do que em São Paulo, 40% são evangélicos. As pessoas podem achar que aquele programa da igreja é ótimo e dizer: 'Deveria ter mais'. Não sei, mas eu queria saber". Enquanto Coutinho tenta descobrir como continuar com o projeto, seus filmes podem ser assistidos nos últimos dias da Mostra.

Serviço

"JOGO DE CENA"
Segunda (28), às 15h, na Sala Cinemateca Petrobras (lg. Senador Raul Cardoso, 207, Vila Clementino, tel. 3512-6111) - 110 lugares

"AS CANÇÕES"
Segunda (28), às 15h, na Faap (r. Alagoas, 903, Higienópolis, tel. 3662-7321) - 320 lugares

"EDIFÍCIO MASTER"
Segunda (28), às 19h, na Faap (r. Alagoas, 903, Higienópolis, tel. 3662-7321) - 320 lugares

"CABRA MARCADO PARA MORRER"
Terça (29), às 19h, no Cinusp Mindlin (r. da Biblioteca, n/s, Cidade Universitária)

"PEÕES"
Quarta (30), às 14, na Matilha Cultural (r. Rego Freitas, 542, República, tel. 3256-2636) - 71 lugares
Quinta (31), às 15h, na Sala Cinemateca Petrobras (lg. Senador Raul Cardoso, 207, Vila Clementino, tel. 3512-6111) - 110 lugares

"PROGRAMA EDUARDO COUTINHO 2"
("Mulheres no Front", "Santa Marta - Duas Semanas no Morro" e "Volta Redonda")

Quarta (30), às 15h, na Sala Cinemateca Petrobras (lg. Senador Raul Cardoso, 207, Vila Clementino, tel. 3512-6111) - 110 lugares

"OS ROMEIROS DO PADRE CÍCERO"
Quinta (31), às 14, na Matilha Cultural (r. Rego Freitas, 542, República, tel. 3256-2636) - 71 lugares

"UM DIA NA VIDA"
Quinta (31), às 16h50, na Sala Cinemateca Petrobras (lg. Senador Raul Cardoso, 207, Vila Clementino, tel. 3512-6111) - 110 lugares

"O HOMEM QUE COMPROU O MUNDO"
Quinta (31), às 18h, no Espaço Itaú Augusta Anexo 4 (r. Augusta, 1470, Cerqueira César, tel. 3288-6780) - 85 lugares