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Zuenir Ventura diz que é perigoso censura a biografias chegar ao jornalismo

Natalia Engler

Do UOL, em São Paulo

29/10/2013 16h57

Aos 82 anos, mas com uma jovialidade de fazer inveja, o jornalista Zuenir Ventura não se esquiva nem de convites –como o feito pela Mostra de São Paulo para integrar o júri de documentários– nem de polêmicas –como a recente questão das biografias não autorizadas, que vem sendo debatida a exaustão por artistas e escritores.

Como jornalista de grandes reportagens que também já flertou com o documentário –foi corroteirista de "Que País É Esse?, "3 Antonios & 1 Jobim", "Um Dia Qualquer" e "Paulinho da Viola - Meu Tempo É Hoje"–, Zuenir conversou com o UOL sobre a questão da necessidade de autorização a biografias, além de contar um pouco sobre sua relação com o cinema –especialmente com o amigo Glauber Rocha.

Entenda a polêmica das biografias

Uma proposta que libera as biografias não autorizadas (PL 393/11) está para ser votada na Câmara dos Deputados do Brasil. O debate excedeu os corredores de Brasília depois de artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, declararem-se a favor da autorização prévia para a publicação de uma biografia. O projeto de lei, de autoria do deputado Newton Lima (PT-SP), pede a modificação dos artigos 20 e 21 do Código Civil, que preveem autorização prévia para a divulgação de imagens, escritos e informações biográficas.
Ao mesmo tempo, a Anel (Associação Nacional dos Editores de Livros) move no STF Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando os mesmo artigos do Código Civil.
"Os artistas ajudaram a colocar luz no assunto. Eles já tinham ajudado no caso do Ecad [Escritório Central de Arrecadação e Distribuição], mas dessa vez eles acabaram entrando em uma linha do raciocínio que colabora para a censura prévia", afirmou o deputado Newton ao UOL.

"Eu sou contra essa exigência de autorização para as biografias. Eu não quero dizer que as pessoas que defendem essa tese sejam censores, não é isso. Acho que é uma injustiça dizer isso de pessoas que lutaram contra a censura. Mas o resultado é, na verdade, uma censura prévia. Isso é ruim", diz Zuenir.

Para ele, a solução contra possíveis abusos de biógrafos desonestos é a melhora da qualidade e da celeridade da justiça. "Já vivemos censura prévia. Não é bom para ninguém. Espero que haja a mudança desse Código [Civil] inteiramente anacrônico", afirma, referindo-se ao projeto que tramita na Câmara de mudança dos artigos 20 e 21 do Código Civil, que hoje dão margem a proibição de biografias não autorizadas.

"Um dos perigos é essa coisa [a necessidade de autorização] vir também para o jornalismo. Ou seja, você amanhã ter que pedir licença para publicar entrevista. E aí não teremos mais jornalismo. É uma loucura isso!", afirma, ao contar que não pediu autorização para reunir no livro "Chico Mendes - Crime e Castigo" (2004) as reportagens publicadas no "Jornal do Brasil" à época do assassinato do líder seringueiro.

"O meu livro resultou de uma série de reportagens com entrevistas, e eu não submeti nem naquele momento [da publicação das matérias no "Jornal do Brasil"] nem depois. Houve um momento em que parecia que alguém da família queria participar de alguma maneira financeiramente, mas procuraram a editora e chegaram a um acordo", conta.

A questão da participação de biografados ou herdeiros nos lucros de uma biografia, que é defendida pelo grupo Procure Saber, também é questionada por Zuenir. "Tem gente que acha que você tem que dividir os lucros. Há uma imagem também de que todos os nossos biógrafos são muito ricos. E não é verdade. Se você comparar as contas bancárias do pessoal do showbiz com as dos biógrafos, os biógrafos vão ter que inveja muito", diz, aos risos.

Mostra de São Paulo
Convidado a integrar o júri de documentários da Mostra de São Paulo, que escolherá a produção vencedora entre os filmes de novos diretores mais votados pelo público, Zuenir diz que participar deste tipo de atividade é um aprendizado.

"Eu aprendo muito participando de júris de documentário. Acho que é por isso que não recuso nunca. O documentário para nós jornalistas é um exercício de apuração e sobretudo de qualidade de narrativa, de texto. Porque a gente, no jornalismo, tem sempre o pretexto, que é até real, de que não tem tempo e não tem espaço para fazer como gostaríamos. E no documentário você teoricamente tem o tempo e o espaço que resolve ter para fazer. Então, acho que o documentário é a reportagem ideal. Ou seja, aquela em que você não tem nenhum pretexto para dizer que não saiu boa", acredita.

E eu estava do lado do Glauber [Rocha]. Ele ficou tão nervoso, tão tenso, que de repente teve um desarranjo intestinal --a famosa caganeira--, e o Nelson Pereira [dos Santos] que teve que participar da entrevista coletiva logo depois da exibição.

Zuenir Ventura, sobre a exibição de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" no Festival de Cannes, em 1964

Além do júri, Zuenir participou também do projeto Filmes da Minha Vida, em que conta ao público sobre os filmes que o marcaram. "Como eu não sou cineasta e não me meto a comentar a qualidade dos filmes, prefiro contar duas situações que eu vivi", afirma o jornalista, que foi amigo do cineasta Glauber Rocha.

"Uma situação foi em Cannes, em 1964, quando 'Deus e o Diabo' foi exibido lá, e foi um acontecimento. E eu estava do lado do Glauber. Ele ficou tão nervoso, tão tenso, que de repente teve um desarranjo intestinal --a famosa caganeira--, e o Nelson Pereira [dos Santos] que teve que participar da entrevista coletiva logo depois da exibição. E a outra [situação] foi dez anos depois, em Portugal, no fim da ditadura salazarista. Os dois primeiros filmes a serem exibidos foram 'O Encouraçado Potemkin' e 'Terra em Transe', e eu estava lá ao lado do Glauber. E o Glauber novamente ficou muito nervoso, mas dessa vez não teve indisposição intestinal", conclui o jornalista, bem-humorado.