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Filme sobre gangue de surdos-mudos na Ucrânia choca Cannes e sai premiado

Thiago Stivaletti

Do UOL, em Cannes (França)

23/05/2014 11h59

Todo ano, a seleção oficial de Cannes tenta incluir pelo menos um filme-choque, com cenas ultraviolentas que derrubem o público na cadeira e deem o que falar, como “Irreversível”, em 2002, ou “Anticristo”, em 2009. Desta vez, o choque veio com o ucraniano “The Tribe” (a tribo), um filme da paralela Semana da Crítica, que venceu três prêmios dessa mostra.

Não é todo dia que se vê um filme estrelado apenas por jovens surdos-mudos, sem um único diálogo, e ainda por cima violentíssimo, de deixar até Tarantino chocado. Logo no início, os créditos avisam: “Esse filme é todo expresso em linguagem de surdos-mudos. Não tem, intencionalmente, nenhuma legenda nem voz em off”. Todos os atores do filme são surdos-mudos de verdade.

Em “The Tribe”, um rapaz chamado Sergey entra numa escola especializada para surdos-mudos e logo descobre que, se não se enturmar com os mais fortes, será alvo de bullying como em qualquer outra escola. Se a história ficasse por aí, tudo bem. Mas esses colegas fazem parte de uma rede de crimes e prostituição –a Tribo do título. Toda noite, o chefe da gangue leva sua namorada Anna e outra amiga para se prostituírem para caminhoneiros num pátio. O problema é que Sergey se apaixona por Anna e tenta tirá-la a todo custo da gangue, despertando a fúria dos colegas, e aí começa uma espiral de violência.

“The Tribe” inclui cenas fortes de sexo, uma cena pesada em que Anna recorre a uma mulher que faz aborto de maneira medieval e sem anestesia, outra sequência em que um dos rapazes está deitado no chão e é atropelado por um caminhão em marcha a ré porque não pode ouvi-lo e uma sequência final que não se via em Cannes desde “Irreversível”: Sergey esmaga o crânio de quatro colegas que o agrediram socando uma pesada cômoda em cima da cabeça deles –três vezes em cada um. A plateia, chocada, soltava urros pesados de indignação. Um filme bastante original, que vai impondo a força do silêncio e da violência –mas não indicado a estômagos mais fracos.

O diretor Myroslav Slaboshpytskiy dá uma explicação igualmente bizarra sobre por que decidiu fazer “The Tribe”. “Eu tinha o sonho antigo de fazer uma homenagem ao cinema mudo. Um filme que fosse entendido sem uma única palavra”, explica – como se o filme tivesse algo a ver com Chaplin ou Murnau.

Myroslav fez contatos com a comunidade de surdos-mudos da Ucrânia e conheceu os líderes do que ele chama de “essa comunidade informal das sombras”. “Eles me revelaram por dentro esse mundo isolado, os modos e rituais dessa comunidade, uma das mais fechadas em nosso país”, conta.