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14/02/2006 - 13h33
Tempo de Oscar: Robert Altman ri por último com o Oscar honorário
AMIR LABAKI
Especial para o UOL

Há muita justiça poética no fato de o diretor Robert Altman receber neste ano o Oscar honorário. Basta ler a lista de concorrentes a melhor filme, com o mosaico ultra-altmaniano de "Crash - No Limite" à frente, e reconhecer o poder de seu legado.

Quatro entre os cinco indicados representam a produção independente
americana, ainda que sob a guarida das divisões "artísticas" de grandes
estúdios. Independência é o outro sobrenome de Robert Bernard Altman.


Altman completa 81 anos na próxima semana e celebra 50 anos dirigindo longas no ano que vem. Estreou no início dos anos 50 dirigindo documentários curtos e telesséries. Rodou episódios para "Alfred Hitchcock Apresenta" e "Bonanza". Quando cinema se tornou sua atividade principal, sempre atuando pela margem, ainda era possível assistir a esses seriados na TV brasileira.

É difícil transmitir para as novas gerações o impacto dos principais filmes de Altman, concentrados fundamentalmente nos 70. Pense no tremor provocado por Tarantino com "Pulp Fiction" na década de 90 e o leitor terá uma idéia aproximada. Aliás, nada mais altmaniano do que aquele extenso elenco de pequenos protagonistas e uma estrutura geográfica e temporal embaralhada.

Com "M.A.S.H" (1970), Altman satirizou o militarismo americano em plena
guerra do Vietnã, numa comédia anárquica situada num hospital militar
durante o conflito na Coréia. O filme imediatamente se estabeleceu no museu imaginário pop americano, inspirando um seriado de imenso sucesso numa época em que cinema e TV eram escaninhos muito distantes um do outro. Três anos mais tarde, ei-lo renovando o faroeste, em ritmo e personagens, com "Quando os Homens São Homens" (McCabe e Mrs. Miller), estrelado por dois dos astros mais quentes da época, Warren Beatty e Julie Christie.

Mas a grande revolução viria em 1975 com "Nashville". Em torno da capital da música country, Altman discute o mal-estar nos EUA em seu bicentenário como nação independente, a partir de uma série de personagens fadados a um dramático encontro. "Nashville", em registro épico, e "Taxi Driver" (1976), de Scorsese, em tom intimista, cristalizaram nas telas o pesadelo da América no ocaso da corrupta era Nixon.

Altman nunca foi maior, mas várias vezes chegou perto. Recorrendo à mesma estrutura polifônica, riu das convenções burguesas em "Cerimônia de Casamento" (1978), vingou-se da mediocridade da Hollywood que o condenou ao ostracismo nos anos 80 com "O Jogador" (1992) e radiografou o vazio e a solidão de Los Angeles em "Short Cuts" (1993).

De um a outro, entre altos e baixos, Altman não se cansou de se provar um maestro de muito mais que uma única partitura. "Quinteto" (1978) é uma distopia futurista das mais perturbadoras do cinema. "Popeye" (1980)
revolucionou, com seu anarquismo, a mesmice das adaptações de quadrinhos para as telas. "O Exército Inútil" (1983) é uma corajosa visão centrípeta da autocorrosão das convenções militares. Poucos filmes declararam tão efusivamente seu amor ao jazz do que "Kansas City" (1996). A lista completaria várias colunas.

Entrevistei Robert Altman duas vezes nos anos 90, ambas em Cannes. Alto, gentil, mas informal, pensa e fala rápido como seus personagens. Nas duas vezes, criticou serenamente o mercantilismo e a obsessão por estrelas da Hollywood contemporânea.

Indicado cinco vezes ao Oscar de melhor diretor, Altman nunca venceu. Está em boa companhia: Hitchcock, Fritz Lang, Welles, Kubrick, Scorsese e um longo etc. Esse Oscar honorário tem sabor de "mea culpa" da Academia. Em plena atividade, tendo lançado nesta semana no festival de Berlim seu 39º longa-metragem, "A Prairie Home Companion", Altman não
precisa de prêmios. Hollywood precisa.
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