Todos os anos, há aqueles filmes que promovem o divórcio entre críticos e público - ou o contrário. Às vezes, a separação acontece mesmo entre os cinéfilos. Um dos casos mais significativos este ano, aconteceu com "Encarnação do Demônio", que promoveu a volta de José Mojica Marins, o Zé do Caixão, ao cinema. Houve uma profunda divisão tanto entre os críticos quanto no público. "Ensaio Sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles, também deixou muitos críticos engasgados. E "Fim dos Tempos" fez muita gente ficar surpresa com M. Night Shyamalan. Em todos os casos, o público, de alguma maneira, se manteve fiel.
Com a ajuda do produtor Paulo Sacramento e do diretor gaúcho Dennison Ramalho, José Mojica Marins promoveu a volta do Zé do Caixão aos cinemas com "Encarnação do Demônio". O filme encerra a trilogia iniciada com "À Meia-Noite Levarei Sua Alma" (1964) e "Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver" (1967). Além disso, faz justiça a Marins, que foi obrigado pela censura a mudar o fim do segundo filme para não ferir as sensibilidades religiosas. Com um roteiro bem elaborado, que amarra as tramas dos segmentos anteriores, o filme retoma várias situações vividas por Zé do Caixão nos filmes anteriores e traz várias participações especiais. Só não consegue reconstituir o artesanato e a espontaneidade de um cinema que nos anos 60 seduziu de Rogério Sganzerla a Glauber Rocha.
Quando José Saramago fez 80 anos, procurou os detentores dos direitos de adaptação de "Ensaio Sobre a Cegueira" para dizer-lhes que se apressassem na realização do filme. Um dos primeiros nomes que veio à tona foi o de Fernando Meirelles, que já havia tentado comprar os mesmos direitos sem sucesso. Agora como diretor contratado, Meirelles fez um trabalho potente, embora sem grande transcendência. Estão lá suas soluções visuais fortes, a fotografia elaborada de César Charlone, a montagem ágil de Daniel Rezende e a produção de primeira da O2 Filmes. A leitura de Meirelles para Saramago se dissipa numa leitura reverente da obra, influência talvez do roteiro convencional do também ator canadense Don McKellar. Ainda assim, o filme atraiu perto de um milhão de espectadores aos cinemas só no Brasil.
O cineasta americano de origem indiana caiu primeiro no gosto do público, com "O sexto Sentido", e depois dos críticos, para recentemente desagradar a ambos. Com "Fim dos Tempos", ainda chamou a atenção de uns poucos luminares que viram nessa "tour-de-force" uma leitura contemporânea do "mal invisível" - metáfora para a paranóia resultante da onda de conservadorismo que varreu o mundo. É uma leitura possível do filme, embora o público tenha respondido com uma acolhida péssima. Shyamalan, que durante anos manteve sua independência dentro do sistema hollywoodiano, agora foi obrigado a barganhar: o próximo projeto é uma versão live action do desenho animado "Avatar".