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Diretor de "O Grande Gatsby", que abre Cannes, diz que história poderia acontecer hoje

Cleide Klock

Do UOL, em Nova York (EUA)

15/05/2013 08h00

A história é conhecida: "O Grande Gatsby" é um dos clássicos mais populares e importantes da literatura americana e já teve outras três versões para o cinema (em 1926, 1949 e 1974) e uma para a TV (2000). Mas, agora o diretor australiano Baz Luhrmann aposta numa releitura contemporânea, mostrando que o romance contado pelo escritor F. Scott Fitzgerald, na década de 1920, tem ainda hoje todo um significado e similaridades.

O cineasta, que recebeu um prêmio revelação no Festival de Cannes, em 1992, por "Vem Dançar Comigo", ficou conhecido também pela "versão 1996" de "Romeu + Julieta" (um dos primeiros filmes de Leonardo DiCaprio) e por "Moulin Rouge - Amor em Vermelho" (2001), que concorreu ao Oscar de Melhor Filme e à Palma de Ouro, também em Cannes.

Don Emmert/AFP Photo
Percebi que se Fitzgerald escreveu no auge da era do jazz, estamos na era do hip-hop, na qual Jay Z é o maior dos mestres.

Baz Luhrman, sobre escolher Jay-Z para produzir a trilha de "O Grande Gatsby"

Neste ano, o filme abre o festival francês, nessa quarta-feira (15). Antes de embarcar para a grande noite, Baz Luhrmann conversou com o UOL, num terraço do Hotel Plaza, em Nova York, com vista para o Central Park, para alguns dos prédios mais antigos da cidade e faz referências: “Este edifício existia, está no livro, esse parque também. Então essa história do Gatsby poderia acontecer agora”, destaca, numa fala sempre frenética, cheia de energia e movimentos.

UOL - Por que você resolveu fazer um remake dessa história?
Baz Luhrman -
Eu acho esse livro maravilhoso. Fitzgerald era um modernista e quando ele escreveu esse livro, estava à frente do seu tempo. Colocou no livro as músicas afro-americanas de rua, o jazz, além de música pop. Estava apenas tentando revelar o mundo ao redor dele --e isso acho que é muito relevante nos dias de hoje. Tudo nesse livro é sobre um mundo decadente que está completamente errado e que termina num grande período de crise (1929). Eu gosto da ideia de pegar alguma coisa que é valiosa, que as pessoas esqueceram e revelá-la novamente. Essa é a principal razão, relembrar essa história.

Como você tenta equilibrar uma história antiga, que já foi contada no cinema várias vezes, com um novo olhar?
Acho que indo sempre para o livro, pois tudo nele tem uma referência na realidade. O período moderno que conhecemos hoje, começou nos anos19 20, que o livro retrata. Dez anos antes, as mães usavam vestidos longos e não havia automóvel. Este edifício existia, está no livro, esse parque também. Então essa história do Gatsby poderia acontecer agora. Wall Street ainda tem corrupção, está fora de controle e temos essas festas, a decadência. Eu gosto de mostrar que os seres humanos não são diferentes, são universais. Talvez as roupas mudem um pouco, mas nós somos os mesmos. Às vezes eu digo: o gosto pessoal é inimigo da arte, ou seja, não é sobre o meu gosto, é sobre o que ele revela ou  sente ao contar a história.

TRAILER DO FILME "O GRANDE GATSBY"

As cores que você coloca nos filmes são sempre diferentes e surpreendentes. Como você quis usá-las nesse filme?
Fitzgerald é tão evocativo com sua poesia, mesmo que seja dentro da cabeça de Nick Carraway (narrador, personagem de Tobey Maguire), sua poesia é tão sugestiva, que faz com que a gente crie imagens ricas e profundas. Eu queria refletir a poesia de Fitzgerald em uma poesia visual dando muito contraste e equilíbrio em relação às cores do vale e a paleta de cinza.

Divulgação
Ele era um garoto talentoso e agora ele é um homem que sabe de seu talento e o controla como ninguém. Colaborou com esse projeto desde o início, um grande parceiro.

Baz Luhrman, sobre trabalhar com Leonardo DiCaprio em "Romeu e Julieta" (1996) e agora

O Grande Gatsby é marcado por muita música, que toma a cena. No seu ponto de vista, como elas influenciam o seu filme?
Exatamente como as cores. Eu adoro o jazz tradicional, mas é nostálgico. Naquele tempo no qual  Fitzgerald escreveu a história, o jazz era empolgante, visceral, imediato e intenso. E é por isso que eu mostro em um momento Bryan Ferry cantando e no momento seguinte Jay-Z.  Não há diferença, apenas gostos diferentes.

Por que escolheu músicas do Jay-Z?
Percebi que se Fitzgerald escreveu no auge da era do jazz, estamos na era do hip-hop, na qual Jay Z é o maior dos mestres. Leonardo me disse: "venha comigo até o Mercer Hotel, Jay está lá”. Fui e ele estava gravando a música "No Church in the Wild". Eu disse para ele o que eu gostaria de fazer e ele me disse: "vamos fazer isso!"

Você e DiCaprio trabalharam juntos em 1996, em "Romeu + Julieta". Como você pode comparar essas duas experiências?
Ele era um garoto talentoso e agora ele é um homem que sabe de seu talento e o controla como ninguém. Colaborou com esse projeto desde o início, um grande parceiro. Ele tenta não fazer papéis onde usa apenas seu carisma, o que é ótimo. No último filme que fez era um senhor de escravos ("Django Livre"), no próximo, será uma espécie de psicopata bêbado de Wall Street ("The Wolf of Wall Street"). A credibilidade e o foco dele atuando são profundos, além de ser genuíno e generoso.

Você lembra quando assistiu pela primeira vez a uma versão de "O Grande  Gatsby"?
Sim eu era um grande fã do ator Robert Redford. Assisti ao filme "Butch Cassidy" (1969) quando tinha sete anos e adorava "Golpe de Mestre" (1973). Então, aos 12 anos assisti ao "O Grande Gatsby" (1974), com ele. Eu gostei, mas não tive a certeza na época de quem era Gatsby. E soube que Redford queria ter colocado mais sobre o que tinha por trás dessa história e acho que ele estava certo.

Por que resolveu fazer o filme em 3D?
Fitzgerald fazia parte desse mundo moderno do cinema. Os livros dele são cinematográficos, então eu queria fazê-lo de uma forma moderna e o 3D é uma delas. James Cameron me mostrou o 3D e eu pensei nisso para revelar os atores. Eu assisti ao "Disque M para Matar" (1954), do Hitchcock, e pude ver como o recurso foi maravilhoso para os atores.

Cannes tem muito significado para mim. Cannes descobriu meu primeiro filme, 'Vem Dançar Comigo', há 21 anos, e 'Moulin Rouge - Amor em Vermelho', em 2001. Outra grande coisa foi que Fitzgerald escreveu parte de 'O Grande Gatsby' a 20 minutes de Cannes, estava morando em St. Raphael.

Baz Luhrman, sobre abrir o Festival de Cannes

Eu li uma frase que você falou: “todos os meus filmes têm apenas 60% do que eu imaginei”. Isso quer dizer que a sua imaginação que é insaciável ou você que é perfeccionista demais?
Um pouco de cada, eu nunca penso que os filmes estão completos, apenas que podem ser finalizados porque estão bons para serem apresentados. Eu ficaria eternamente mudando tudo se deixassem eles mais tempo na minha mão. Mexeria em tudo e poderia arruiná-los. 

Você está empolgado pelo fato de estar em Cannes, novamente, mas agora numa mostra não competitiva?
Cannes tem muito significado para mim.  Cannes descobriu meu primeiro filme, "Vem Dançar Comigo", há 21 anos, e "Moulin Rouge - Amor em Vermelho", em 2001. Outra grande coisa foi que Fitzgerald escreveu parte de "O Grande Gatsby" a 20 minutes de Cannes, estava morando em St. Raphael.

Qual o seu próximo projeto?
Eu estou trabalhando numa versão para o teatro, do meu primeiro filme "Vem Dançar Comigo" (1992), mas meu grande projeto agora é passar mais tempo com meus filhos, coisa que estou sentindo falta.