Topo

Esquizofrenia pode inocentar assassino, diz advogado do caso Glauco

Do UOL, de São Paulo

03/02/2014 12h55

A morte do cineasta Eduardo Coutinho, assassinado a facadas pelo filho após um "surto psicótico" confirmado pela polícia, resvala em um caso semelhante ocorrido em 2010, quando o jovem Carlos Eduardo Sundfeld Nunes matou a tiros o cartunista Glauco e seu filho Raoni, em Osasco, na Grande São Paulo. 

Assassino confesso, Carlos Eduardo foi considerado inimputável --quando é incapaz de responder pelos seus atos-- pela Justiça em 2011 ao ser diagnosticado com esquizofrenia. Ele ficou internado em uma clínica psiquiátrica de 2010 a outubro de 2013, quando a Justiça de Goiás decidiu que ele poderia deixar a clínica e prosseguir com o tratamento ambulatorial em casa.

"O Código Penal diz que, havendo uma suspeita de insanidade mental, deve ser realizada a perícia. Se houver um histórico de esquizofrenia, é elemento mais que suficiente para que o próprio Ministério Público se manifeste a respeito", disse ao UOL o advogado de Carlos Eduardo, Gustavo Henrique Badaró.

“Os peritos fazem um juízo retrospectivo. Então, quanto mais perto da data do fato, melhor e mais preciso ele é. E a esquizofrenia é uma das doenças que podem levar à imputabilidade."

Ainda não se sabe qual será o tratamento dado a Eduardo Coutinho, filho de Eduardo Coutinho. No início da tarde desta segunda-feira (3), ele teve prisão preventiva decretada pela Justiça do Rio de Janeiro. A informação foi confirmada pelo diretor da Divisão de Homicídio do Estado do Rio, Rivaldo Barbosa de Araújo Júnior. "Diante de tudo que apuramos e tudo que chegou ao inquérito policial, Daniel é o autor dessa tragédia familiar", afirmou.
 
Um laudo sobre o diagnóstico de Daniel ainda não foi divulgado. Caso a Justiça o considere inimputável, ele pode não cumprir pena, seguindo para tratamento ambulatorial compulsório. Daniel, de 41 anos, está internado no Hospital Miguel Couto, na Gávea, na Zona Sul do Rio, sob custódia da polícia. Ele foi preso em flagrante e deve responder pelos crimes de homicídio e tentativa de homicídio -- por conta de sua mãe, Maria das Dores Coutinho, de 62 anos, que também está internada na UTI, no mesmo hospital, em estado grave.
 
Um policial formando em psicologia vai coletar o depoimento de Daniel no hospital. A polícia aguarda apenas o aval da equipe médica para a visita. "É um policial que tem técnica policial, mas que fez o curso psicologia", afirmou Júnior. Após atacar os pais, Daniel tentou se matar com duas perfurações. Seu estado de saúde é considerável estável.
 

Trajetória

Nascido em 11 de maio de 1933, em São Paulo, Eduardo Coutinho abandonou o curso de direito por uma carreira no entretenimento. Depois de estudar direção e montagem na França e voltar ao Brasil em 1960, Coutinho entrou em contato com o Cinema Novo e o Centro Popular de Cultura (CPC), da UNE.

No CPC, o cineasta começou a trabalhar no que seria considerado seu projeto mais importante: uma ficção baseada no assassinato do líder das Ligas Camponesas, João Pedro Teixeira, com elenco formado pelos próprios camponeses do Engenho Cananeia, no interior de Pernambuco. A produção de “Cabra Marcado para Morrer” teve que ser interrompida depois de duas semanas de filmagens, quando ocorreu o Golpe Militar de 1964 e parte da equipe foi presa sob acusações de comunismo.

O filme só seria completado em 1984, depois de Coutinho reencontrar negativos que haviam sido escondidos por um membro da equipe, e resolveu retomar o projeto como um documentário sobre o filme que não foi realizado e sobre os personagens reais que seriam os atores do primeiro projeto.

Entre 1966 e 1975, atuou principalmente como roteirista de produções como “A Falecida” (1965), “Garota de Ipanema” (1967) e “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976). Em 1975, Coutinho passou a integrar a equipe do “Globo Repórter”, onde permaneceu até 1984.

Depois de “Cabra”, Coutinho se firmou como o principal documentarista do país, com filmes que privilegiavam pessoas comuns e as histórias que elas têm para contar, como “Santo Forte” (1999), “Edifício Master” (2002), “Peões” (2004) e “Jogo de Cena” (2007). Seu último longa foi “As Canções”, de 2011.

Em 2013, ao completar 80 anos, Coutinho ganhou homenagem na Festa Literária Internacional de Parati e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que organizou uma retrospectiva completa de seus filmes e um livro reunindo textos de e sobre o cineasta.

Na ocasião, Coutinho afirmou ao UOL que o público foge de documentários. "Isso é trágico. Tem uma diferença entre ficção e documentário, e é apenas para a Ancine [Agência Nacional do Cinema]. Documentário é uma palavra maldita. Se o público cheirar documentário, ele foge. Só não foge quem não pode", afirmou.